A zebra pós-moderna: algo deu errado?


Zebra - Andy Warhol

Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo
(Michel Foucault)

Não creio ser tão justa as acusações que alguns autores - em geral, analíticos - fazem a autores pós-modernos como Foucault e Deleuze, entre outros continentais. Afirmações do tipo "a verdade é resultado do poder", "a objetividade não existe", "a lógica é apenas uma mera invenção do ocidente", "tudo é relativo" são teses que não estão necessariamente nesses autores, mas colocaram na boca deles goela abaixo, muito embora não se pode negar que o fã clube pós-moderno, decolonial, identitário et cetera frequentemente tende a defender algumas dessas teses mirabolantes, usando esses respectivos autores como argumento de autoridade.
Eu, particularmente, creio ser muito válido tratar sobre isso, uma vez que considero haver muita coisa interessantíssima para se aprender nas obras desses filósofos, apesar de serem frequentemente deturpados (que atribuo significativamente a enorme popularidade de muitos deles). Destaco aqui ao menos dois problemas recorrentes entre aqueles que desejam fazer um debate amigável com quem estuda ou se identifica com esses autores: 1) o apelo à militância; e 2) o apelo à "outra lógica".
Em primeiro lugar, deixo claro que não é errado você assumir sua posição política num debate. O problema está em você usar isso reiteradamente contra seu interlocutor, como se discordar de você implicasse necessariamente que o outro seja machista, misógeno, homofóbico, eurocêntrico, et caterva. Em segundo lugar, embora seja verdade que exista no mundo muitas formas de pensar e diferentes modelos teóricos que você pode chamar de seu, isso não necessariamente implica a abolição total do erro. Por vezes, x pode ser verdadeiro num modelo e não necessariamente em outro, pois, ainda que seja concebível um planeta cuja gravidade é nula, ainda continua sendo verdadeiro que há uma gravidade x na Terra e o contrário disso é completamente falso.
O problema é que frequentemente esta turma da militância pós-moderna busca sustentar uma crença em x onde x não é o caso, embora pudesse ser em outro cenário. Não obstante, o mal entendimento do avanço da lógica e do debate dos próprios autores pós-modernos faz com que os entusiastas "da lógica não-ocidental" confundam alhos com bugalhos, dando ares de "outra lógica" o que é, no fundo, nada mais senão uma afirmação impositiva e autoritária, de apelo à militância, cujo intuito é antes de tudo constranger o interlocutor que discorde deles.
Nestas ocasiões, quem tenta oferecer alguma ponderação ao debate é logo massacrado com um monte de chavões de centro acadêmico. As acusações militantes disso ou daquilo começam a proliferar. Tudo vira ad hominem e não há diálogo algum que sobreviva. Como já notei em outras ocasiões, esse cenário é reiteradamente alimentado pela própria internet, visto que os algoritmos tendem reforçar aquilo que cremos e admiramos. Muitas das vezes os usuários da internet não estão adequadamente habituados ou instrumentalizados para rever e examinar suas próprias crenças e, por isso, tendem a reagir violentamente a tudo aquilo que aparentemente ameaça o que creem ou idolatram.
Não obstante, apesar dessas críticas àqueles que abraçaram a militância virtual à esquerda (e, neste ponto, a direita também não está imune), é preciso reconhecer que o legado desses autores pós-modernos é bem maior do que a caricatura feita tanto pelos seus detratores quanto pelo seu fã-clube. Aliás, diga-se de passagem, além da análise social, os autores pós-modernos são verdadeiros peritos no uso de sistemas de lógica não-clássicos ou, como dizem por aí, de "outras lógicas" (multivalorada, paraconsistente, intuicionista, fuzzy etc), cujo interesse por elas tem crescido bastante nas últimas décadas.

Por Wendel de Holanda

Comentários